O The New England Journal of Medicine (NEJM), uma das revistas médicas mais respeitadas do mundo, publicou recentemente uma ampla revisão sobre a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD) e sua forma inflamatória, o MASH (esteato-hepatite associada à disfunção metabólica). O artigo reforça que estamos diante de uma crise global de saúde, com impacto que vai muito além do fígado.
Principais destaques da revisão
- Alta prevalência: O MASLD já afeta até 38% dos adultos no mundo e aproximadamente 65% das pessoas com diabetes tipo 2.
- Doença sistêmica: Os riscos extrapolam o fígado, envolvendo doenças cardiovasculares, renais, diabetes e alguns tipos de câncer.
- Fibrose como marcador-chave: A presença de fibrose significativa (≥F2) é hoje o principal preditor de desfechos adversos, tornando a estratificação de risco precoce essencial.
- Novos tratamentos: Embora mudanças no estilo de vida permaneçam fundamentais, vivemos o início de uma nova era terapêutica:
- Resmetirom (Rezdiffra): aprovado pela FDA em março de 2024 para pacientes com MASH e fibrose.
- Semaglutida (Wegovy): aprovada pela FDA em setembro de 2024 como o primeiro agonista de GLP-1 para MASH, representando a segunda aprovação farmacológica na área.
- Diversas outras terapias metabólicas, especialmente baseadas em incretinas, seguem em fases avançadas de pesquisa clínica.
Cenário no Brasil
No Brasil, a doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD) já representa um dos maiores desafios de saúde pública. Estudos epidemiológicos nacionais e grandes coortes, como o ELSA-Brasil, apontam prevalências de 30–35% de esteatose em adultos, com variação conforme o método diagnóstico e a população avaliada. Entre pessoas com obesidade, a prevalência pode chegar a 70%, e entre indivíduos com diabetes tipo 2, ultrapassa os 60%.
Em crianças e adolescentes brasileiros, a frequência já varia entre 7% e 14%, refletindo o impacto do sobrepeso e do consumo de ultraprocessados. Dados recentes de 2023 mostram que, na América Latina, a prevalência de MASLD atinge 44,4% da população, e as projeções para 2040 são alarmantes: mais de 55% da população mundial poderá ser afetada.
Esse cenário coloca o Brasil em consonância com a prevalência global (25–30%) e reforça a caracterização da MASLD como uma epidemia silenciosa, marcada por grande contingente de portadores assintomáticos, mas com impacto futuro significativo sobre a necessidade de transplantes hepáticos e sobre a morbimortalidade cardiovascular e hepática.
Implicações para a prática médica
O MASLD é hoje entendido como uma doença multissistêmica, e não apenas hepática. Isso exige uma abordagem integrada que envolva hepatologistas, clínicos, endocrinologistas, cardiologistas e nefrologistas, garantindo:
- rastreamento precoce;
- estratificação adequada do risco;
- tratamento personalizado, combinando intervenções no estilo de vida e, quando indicado, terapia farmacológica.
O que isso significa para os pacientes
Para os pacientes, este é um momento de esperança. Pela primeira vez, dispomos de medicamentos aprovados que podem atuar sobre a inflamação e a fibrose hepática, somando-se às estratégias de perda de peso, melhora do controle metabólico e mudanças de hábitos.
Se você tem diabetes, obesidade, colesterol ou triglicerídeos elevados, é fundamental conversar com seu médico sobre a saúde do seu fígado. A detecção precoce e o acompanhamento regular podem não apenas prevenir complicações graves, mas também reverter a doença em seus estágios iniciais.
A mensagem que fica é clara: o MASLD/MASH não é apenas um problema do fígado, mas uma condição que exige atenção global à saúde. O futuro do tratamento está em combinar prevenção, mudanças de estilo de vida e novas terapias farmacológicas para transformar a história natural da doença.